14 de maio de 2012

Apenas uma brincadeira para pensar os condicionamentos

Ressalvas desde já: não sou marxista (melhor dizendo, não sou nenhum ista e outros termos que rementem os nomes de pensadores - talvez eu seja sim pelogiano hahaha), mas tenho certo apresso por essa compreensão de Marx sobre o processo de alienação a partir do disseminar das ideologias. Resolvi portanto, logo no primeiro ano de faculdade, brincar com esses termos. Portanto desde já peço perdão pela imaturidade do texto, mas não poderia degrenir minha própria obra, enquanto valor histórico da construção e compreensão do meu pensamento.           

         Compreendendo que não é centro de discussão questionar uma prática religiosa - até por que, como nos diz Hume, o milagre (manifestação dos deuses) pode até existir, mas eu não posso provar, pois vai além da realidade empírica humana; e mesmo que aconteça um milagre comigo não posso explica-lo ou levar outro a crer –, mas usando o mito grego como ilustração e metodologia – se assim pode ser chamado, guardando as devidas proporções – gostaria de leva-los a pensar alienação e ideologia nos dias de hoje através dos resquícios opressores da antiguidade mítica que remontam a historia nos dando assim respaldo para compreendermos essa problemática em nossos dias; criar uma analogia que aproxima as duas épocas tão distantes pela linha cronológica.
Na antiguidade, como nos conta a história grega, a religião que predominava era o culto por vários deuses, um politeísmo que se ratificava na idéia de que cada deus correspondia a uma necessidade ou situação, como Afrodite, deusa do amor. Esses deuses viviam no Olimpo, lugar puro onde tudo era perfeito, ficando inacessíveis aos humanos e ao impuro, mas existia uma ligação entre os homens e os deuses: os Oráculos. Os gregos acreditavam que os Oráculos podiam expressar as vontades dos deuses para os humanos, tomando assim decisões muitas vezes de grande peso social e político com base na interpretação feita desse oráculo. Essas “manifestações” dos deuses nos Oráculos eram, portanto, determinantes nas relações sociopolíticas dos gregos antigos, pois eram interpretadas como vontades supremas e perfeitas, uma vez vindas de um deus. É, portanto, intrigante nos depararmos com essa situação, quando iluminados somente pela luz da razão, sem a pretensão de fazer critica ao dogmatismo religioso, pois ela nos apresenta-se forçosamente como uma forma alienadora dos indivíduos às vontades de deuses que mandam e desmandam o seu bel prazer. Ora, uma vez que a particularidade do individuo é algo inato e natural, ativo através de suas opiniões e pontos de vista, essas decisões condicionadas pelas vontades dos deuses fazem com que uma pressão de cunho alienador seja exercida sobre essa particularidade dos indivíduos, comprometendo suas decisões.

“Depois disso a tirania tornou-se muito mais severa. Para vingar o irmão, Hipias matou ou exilou muitas pessoas, o que fez com que fosse desacreditado e odiado por todos. Cerca de três anos depois da morte de Hiparco, Hipias tentou fortificar Muníquia por causa de sua impopularidade na cidade de Atenas. Ele pretendia mudar sua residência para lá, mas enquanto mudava foi expulso por Cleômenes, o rei de Esparta, porque os espartanos estavam recebendo repetidas mensagens dos Oráculos instruindo-os para terminar com a tirania em Atenas.”
(ARISTÓTELES. Constituição de Atenas. Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1999. p. 270)

Nesse trecho da obra de Aristóteles vemos o poder de influência do Oráculo sobre as decisões sociopolíticas na cidade de Atenas. E ela se torna muito mais significativa nesse palco de ideologias e ações que geram alienação quando nos atentamos ao detalhe de que a história ateniense foi mudada por espartanos que não tinham, em seu âmbito geográfico social, nada que se intrometer na história da evolução de Atenas, alarmando ainda mais a idéia de que isso se tornava uma ação alienadora e de âmbito até mesmo ditador. Não muito distante dessa mesma idéia a nossa contemporaneidade apresenta dentro de sua complexidade um fator que desenvolve as mesmas funções do oráculo enquanto meio ditador de ideologias: a mídia. Ela nos impõe as idéias que estão acima de nós, como as idéias narcísicas, idéias de dever e de o que fazer e o que não-fazer, ratificando essa relação nas dinâmicas e nas influências do Oráculo da antiguidade e dessa mídia contemporânea. A mídia, ao apresentar as ideologias que assolam o território amplo da modernidade, leva os indivíduos a negar muitas vezes a sua subjetividade para adotar as idéias impostas por ela, gerando uma anomia social, ou seja, um estado que aliena a pessoa às marés das grandes massas, privando-o assim de usar de sua livre faculdade da razão para determinar suas decisões e ações. E o interessante dessa dinâmica é que os elementos ditadores dessas ideologias que geram a alienação, tanto na antiguidade como em nossa contemporaneidade, não são nem o Oráculo nem a mídia em si, mas terceiros que exercem, através desses meios, suas vontades ideológicas alienantes: os deuses e a sociedade burguesa, respectivamente. Esses dois “personagens” da história através de suas vontades levam, por sua força representativa, massas a aderirem seus ideais, contribuindo assim para o fim hedonista de suas vontades.

“[...] a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma das formas da luta de classe. A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação, fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados.”
(CHAUI, Marilena. O que é ideologia. 38ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1994. p. 86)

Marilena Chauí nos mostra claramente nesse trecho que a ideologia é uma forma de induzir e assim alienar as pessoas, só que não é um termo somente negativo, como no sentido pejorativo que acabou tomando, mas uma forma que apresenta idéias e conceitos de como proceder tanto para os dominadores como para os que buscam desvencilhar-se dessa alienação. É, portanto, claro à nossa razão, que as ideologias alienantes vem desses grandes “personagens”, visando apenas um desenvolvimento, um progresso ou uma evolução para sua própria situação, levando cada vez mais as massas a se amarrarem nessas sugestões opressoras. Isso então ratifica mais uma vez quão próxima é a opressão da antiguidade com a opressão contemporânea. E compreendendo o Mito da Caverna de Platão, escrito no Livro III de A República, não só como uma forma de explicar a dinâmica de sua teoria do mundo das idéias, mas como argumento que nos ajuda a fundamentar essa problemática, pois contêm em seu roteiro elementos que se remontam nessa realidade das ideologias alienadoras. Algo muito interessante colocado por Platão é a indolência na busca da verdade, ou seja, a falta de interesse em parar de olhar para uma mesma direção e olhar para o que acontece ao redor, descobrindo que as coisas que estão acontecendo estão sendo postas por terceiros e não pela sua subjetividade.

“As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, força espiritual dominante [...] As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias [...] Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e, por isso, pensam; na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda sua extensão e, conseqüentemente, entre outras coisas, dominem também como pensadores, como produtores de idéias; que regulem a produção e a distribuição das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéias dominantes da época [...]”
MARX, K., ENGELS, F. A Ideologia Alemã. v. 1. Lisboa Presença, 1845. p.72)

Isso mostra o quão repressora essas ideologias se tornam quando exercem sua força sobre as classes tidas como dominadas nesse contexto de interesses sóciopolíticos. Rebelar-se, portanto, contra essa alienação, a favor do pensamento, assim como aquele personagem do mito escrito por Platão, parece coerente à razão e proporciona a libertação dessa ideologia negativa e alienadora, através do uso da mesma ideologia no objetivo de esclarecimento e busca da verdade: uma Aufhebung.

Mas essa força para a mudança (emancipação) surgiria de onde?