24 de julho de 2014

Reflexões sobre a efemeridade da vida

Ninguém gosta de parar para pensar no tempo em que vamos viver no nosso planetinha. Isso é algo que deixa qualquer um louco, algo que faz qualquer traço de razão sumir e consegue quebrar, ou pelo menos trincar, as mentes mais fortes. A Biologia nos dá uma linha reta de existência como seres viventes: Nascemos, crescemos, nos reproduzimos e morremos. É isso que acontece com qualquer ser vivente, seja uma bactéria que se reproduz por fissão binária ou alguns tipos de plantas que demoram anos para florescer.
O instinto nos faz aceitar melhor essa situação quando vivenciamos ela no fim desse ciclo. Temos aquela sensação que o dever foi cumprido, que a passagem foi completa e ponto, fechou-se o ciclo de existência de um ser vivo. Isso é aplicável em inúmeras situações: o nosso vôzinho, que se foi, no alto de seus 90 anos, aquele cachorrinho de estimação que tinha seus 14 aninhos e já mais dormia que abanava o rabo, aquele cavalo que, agora um pangaré velho, sempre foi um marchador viçoso. A dor da perda sempre fica, mas com certa facilidade tocamos a vida e tudo se engrena novamente.

O difícil é quando essa linha reta de existência não chega a terminar, ela se quebra no meio ou no começo. Ai a dor é maior, o sentimento de impotência vem mais forte e a sensação que a vida é algo efêmero nos abraça de forma inimaginável. O recém-nascido prematuro que não suportou a vida fora do ventre materno, a criança que não conseguiu superar uma doença, o adolescente que numa volta de moto em um sítio com o primo sofre um acidente, bate a cabeça e vem a falecer e um jovem adulto que o coração não aguentou a nossa vida mundana e parou de bater. Essa ferida é mais profunda, dolorida pois sai da lógica que crescemos aprendendo: a morte está condicionada a idade avançada. Uma morte fora dessa linha lógica nos impressiona muito, o vazio que fica é muito maior e tudo parece cinza.


Aqueles que se foram não sentem mais nada, a sua existência, breve ou longa, se findou. Os que vão sofrer são aqueles que ficaram aqui seguindo na linha da existência que de lógica não tem mais nada. E nós, que ficamos aqui, vamos ter que tirar lições disso (que professor seria eu se não tenta-se passar uma lição nessas palavras que escrevo aqui): A vida é curta, seja morrendo aos 2 anos ou aos 100 anos, então aproveite do jeito que lhe melhor condiz! Saia, curta os amigos, curta a família, leia bons livros, arrume o amor da sua vida, beije, abrace, saia do armário em qualquer sentido e seja feliz. Aproveite a vida que é curta mas sempre com responsabilidade, ela já é curta e nós não precisamos encurtar ela mais ainda sendo desmiolados. Tire sempre um tempo para reflexão pessoal, ficar mais introspectivo e sério é bom em alguns momentos porém não adote isso como regra, respeite as diferenças e combata as injustiças da forma mais neutra possível e sempre tente enxergar o lado do outro antes de prezar pelo seu lado. E digo mais uma vez, seja feliz! De risadas, gargalhadas, procure o que te faz feliz, se cerque de pessoas que te fazem feliz, pois infelizmente o que guardamos de quem terminou sua existência são as lembranças. E quando a saudade apertar do nosso ente querido, que venha uma lembrança feliz para que nosso choro tenha sua tristeza mas que seja feliz ao mesmo tempo.

Minha homenagem ao Diego Castro, Valdir Martins e a Simone Almeida. 

6 de julho de 2014

Projeto de vida

A
chuva parecia não ceder, mesmo assim Leonardo não pestanejou ao atravessar a rua para dar assistência imediata a mais um paciente que chegava ao pronto socorro, aquele seria o último do dia, ou melhor, da noite pensou. Já imaginava o conforto da cama, a maciez do cobertor após um longo banho quente e uma boa tigela de sopa instantânea. Os últimos meses de residência não estavam sendo nada fáceis, mas logo viria à formatura.
E como era almejada, após anos e anos de dedicação e renúncia; desde as aulas em período integral no ensino médio associado ao cursinho pré-vestibular noturno e aos finais de semana até a aprovação no vestibular. Era apenas o começo, na faculdade tinha aula em período integral de segunda a sábado, seguida por estágios no período noturno e agora, nos últimos anos da graduação, intermináveis horas de residência no pronto socorro estadual.
Tudo para trabalhar em um país em que supostos médicos compram o título como se comprassem um celular.
Mas enfim, nenhum paciente era responsável por suas escolhas. Após prestar assistência emergencial ao paciente, que apresentava um quadro de convulsão, Leonardo se via novamente cara a cara com chuva, apesar de gelada, era revigorante, deveria receitar o banho de chuva como tratamento alternativo, pensaria nisso futuramente.
Dirigiu calmamente até o bairro afastado da cidade onde morava desde o início do curso, no micro apartamento de quarenta metros quadrado, que fora presente dos pais, a escuridão era marca da solidão, em meio a livros e jalecos acomodou-se no sofá para ver as desgraças do dia no noticiário da meia-noite. E como sempre, pessoas roubavam, matavam, torturavam, em um mundo no qual o estudante de medicina era apenas um coadjuvante no palco da vida.
Como dedicado universitário que era, resolveu tomar logo um banho quente antes que fosse acometido por um resfriado, devido à chuva que tomara. Adormeceu pensando em como uma sopa preencheria a lacuna que havia em seu estômago.
Após quatro horas de sono que passaram num piscar de olhos, mais um dia se iniciava, para quem poderia se dar ao luxo de dormir, mais uma madrugada se iniciava. Não era este o caso, semana de provas, as últimas, logo seria médico.
E para encarar uma bateria de provas, nada como um café forte e sem açúcar na cantina da universidade, para energizar o sistema nervoso central, onde por sinal (na universidade) passaria suas próximas nove horas.
Mas sabe-se lá porque, passou lhe pela cabeça que uma caminhada pelo complexo esportivo da instituição seria de grande valia.
Passando pela quadra de tênis, lembrou como em vão o pai o arrastava para os treinos. No ginásio de ginástica, viu se fascinado pela ginástica artística há alguns anos atrás, o pai nunca aprovaria um filho que não fosse médico, advogado ou engenheiro.
Nunca gostara de física, e a ideia de trabalhar em um canteiro de obras não parecia muito agradável, quanto à segunda opção, detestava aquela espécie de engravatados que trabalhavam para que não houvesse justiça.
Já se aproximava da piscina olímpica quando recordou que nunca aprendera a nadar, faltava-lhe coordenação, bater pernas e conciliar as braçadas com a respiração era muita coisa para a sua cabeça. O fato de estar andando próximo a uma piscina com mais de três metros de profundidade causou-lhe arrepio.
Mas eis que não era para ser? Distraiu-se por alguns segundos com o celular e escorregou em uma poça da chuva do dia anterior, o que culminou com uma queda dentro da piscina.
O desespero de não saber nadar tomou-o por completo, debatia-se em vão para tentar subir à margem, estava afogando, tinha que sair dessa situação, estava prestes a se formar, ainda não curtira a vida, uma simples piscina não poderia acabar com tudo, era praticamente um médico, não podia, não queria morrer. Seus músculos contraíam ansiando por oxigênio, não conseguiu controlar mais, com um gesto involuntário sugou água pelas vias nasais, como quem busca freneticamente por ar, e ao contrário do que imaginava sentir, sentiu-se queimando por dentro, como se estivesse em meio a um incêndio, a água queimava lhe os pulmões, agonizava. Em seu último minuto de consciência, visualizou além da água, o sol que nascia. As pessoas normais agora despertariam; veio a óbito.
Em seu funeral, compareceram os poucos amigos e familiares que estimava, não conhecera muitas pessoas.
Em sua lápide, uma mensagem foi escrita em letras grandes e prateada, por um velho colega de infância:

“Reside aqui Leonardo, nasceu, cresceu e dedicou-se aos estudos. Não viajou, não saía com os amigos, não namorou, não se casou e não teve filhos.”